sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Lições para um setembro muito tétrico

 

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É o último blogar deste tétrico setembro 2023. Era quase meio-dia desta sexta-feira quando retornava à Morada dos Afagos, após quatro dias de hospitalização no Hospital Mãe de Deus para fazer exames e cumprir protocolos. Chegara a suspender a edição de hoje. Mas os quase 200 leitores da última edição, merecem um agrado, quando encerramos um setembro muito trágico.

Quando na manhã de terça-feira, escolhia livros para um número incerto de dias hospitalares, quase ao acaso, escolhi um que relia devagar há mais de um mês. Ora, ante muitas interrogações sem resposta faço aqui partilhamentos. Ele já vem marcado com um interrogante: Por que, com tantos livros ainda não lidos, se relê um livro? Mas isso não é assunto para hoje. Releio  um livro que me foi presenteado por uma leitora deste blogue de Curitiba: a Maria Lúcia, professora de Biologia. Ela me presenteara em 7 de outubro de 2010 com o pretexto de homenagear-me pelo dia do Professor, enviou em cuidadosa embalagem “O jardim de Darwin – Down House e a Origem das espécies”. 

Falo por primeiro artefato cultural e do autor do mesmo. Na edição de 19 de fevereiro de 2011 Há mais informações acerca do assunto aqui destacado***.

BOULTER, Michael. O Jardim de Darwin: Down House e a origem das espécies [Darwin’s Garden and the origin of species. Tradução de Elvira Serapicos] São Paulo: Larousse do Brasil.262 p, 2009, ISBN 978-85-7635-465-9 Preço R$ 37,00 (variável)

Michael Charles Boulter (nascido em 1942) é professor de Paleobiologia no Museu de História Natural e da Universidade de East London. Boulter estudou botânica, geologia e química na University College London. Foi professor de Paleobiologia da Universidade de East London (1989-2002). Ele trabalhou como editor para a Associação Paleontológica (1975-1981), secretário da Organização Internacional de Paleobotânica (1981-2002) e representante do Reino Unido na União Internacional das Ciências Biológicas. Em 2002 ele tornou-se notável por seu livro "Extintion: Evolution and the End of Man", onde ele explicou que a humanidade pode estar mais perto da extinção do que se acreditava antes. Junto com Michael Benton e cerca de 100 outros cientistas, ele lançou o projeto "Fossil Record 2", o maior banco do mundo, com fósseis dos últimos 500 milhões anos. É um renomado darwinista.

***https://mestrechassot.blogspot.com/search?q=jardim+de+Darwin

 


sexta-feira, 22 de setembro de 2023

PAULO: MEMÓRIA & HISTÓRIA


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22/09/2023 Mesmo que tenhamos diferentes espaçadores (hora, dia, mês …) parece aprazível criarmos novos. Neste hebdomadário o entardecer da sexta-feira é uma usual marca de relatos temporais, que de maneira usual conto, enquanto este blogue, muitas vezes, se transmuta em meu diário de bordo e descrevo algo dolente. Por tal, relato enlutado, que no passado domingo vivi um pranteado enlutamento: no entardecer desse sábado faleceu o Paulo, meu irmão.

Pedro Paulo Chassot (1943-2023) mais usualmente chamado de ‘Paulo’ ou em família ‘Chachá’. O Paulo descansou, depois de quase dez anos de vida vegetativa*. Nos reunimos no domingo calorento em um bucólico cemitério sem qualquer túmulo. Eventos desta natureza são próprios a densas reflexões. Também são cenários de reencontros com parentes e amigos, entre os quais, não raro, há alguns não nos encontrávamos, e por tal, pareciam quase incógnitos. 

Quisera ter fôlego para contar algo dos muitos (a)fazeres do Paulo. Se me faço sintético, opto por uma palavra, ora em moda: empreendedorismo. O Paulo foi um empreendedor. Houve um tempo que foi bancário, quando instalou, de maneira pioneira, redes de internet no Rio Grande do Sul. Em outro momento, em seu sítio no Lami, foi produtor de gado leiteiro. Também foi um estudioso apicultor. Foi zeloso no cuidado do ambiente natural; foi um produtor de variedade de palmeiras. Foi um botânico estudioso e destacado produtor e exportador Cicas*.

Recebi alguns ‘uatis’ (não sei se é assim que escreve essas mensagens voláteis) dos quais trago excertos, que narram um pouco do Paulo. Eis algo de um deles: “Oie boa tarde, Attico meus sentimentos pelo falecimento do teu irmão, Pedro Paulo, fiquei sabendo agora somente; a Andressa me disse faz meia-hora. Minha solidariedade a ti! Também ouso aqui ressaltar a vida dele e que levo de sua pessoa comigo. PP sempre foi muito gentil, carinhoso e respeitoso comigo, não te digo isso por seres  padrinho de minha filha, mas ele sempre me respeitou como profissional. Como mulher advogada, ele reconhecia minha competência e meus valores morais e éticos, por isso sempre que pude o ajudei, mesmo sem ter qualquer obrigação. Teu irmão foi e é um cara legal que também sempre teve meu respeito ao seu Ser. Minhas sinceras condolências!" 20/09/20023.

A outra mensagem é familiar. Traz dois fragmentos do jovem Paulo que eu não mais recordava. A palavra faceta* também evoquei de meu querido sobrinho Nathanael, que é dado a filosofar. “Tio Attico! Foi muito bom termo-nos encontrado no senegalesco domingo que enterramos o tio Paulo. Aqui o verbo não é metafórico. Eu cheguei a temer que tu, quando proferiste tua funérea oração à despedida fosses dizer que sabendo das posturas ecológicas do tio Paulo ele desejaria ser cremado e não enterrado. Mas não é essa minha memória a sufragar. Trago duas facetas, verdadeiras relíquias memoriais: 1) O Paulo era fã compulsivo do automobilismo. Haja visto o nome de seus dois filhos. Uma vez, soube que um de seus ídolos iria passar por distante ponto da BR-116. Para lá se mandou. Quando eu o reencontrei disse que desejava não mais lavar a mão que cumprimentara seu herói. Trouxe também uma pequena chave de fenda, que ‘disse ter ganho’ da equipe do piloto. 2) O Paulo, a cada ano, implicava com a data de seu aniversario (11 de agosto) por ser o dia do pintura*. Nesta data muitos restaurante não abriam. Tio, poderíamos amealhar essas evocações. Teríamos assunto para um belo livro. Saudades e uma sumarenta live na sexta, Nathan (21/09/2023).

Ao lado deste registro familiar, destaco um evento universal: estamos despedindo o Inverno e acolhendo -- no Hemisfério Sul -- a Primavera, neste agora equinócio de setembro = quando as horas  se igualam horas de noites e horas de dias.

A Primavera é a estação do ano que se segue ao Inverno e precede o Verão e é tipicamente associada ao reflorescimento da flora terrestre. Do ponto de vista da astronomia, a primavera do Hemisfério Sul inicia-se no equinócio de setembro (O início da Primavera 2023 acontece às 03h50min do dia 23 de setembro de 2023) e termina no solstício de dezembro. A do Hemisfério Norte inicia-se no equinócio de março e termina no solstício de junho. A estação, assim como as demais, não ocorre simultaneamente nos dois hemisférios: enquanto num deles é primavera, no outro é outono. A primavera do Hemisfério Norte é chamada de "primavera boreal" e a do Hemisfério Sul é chamada de "primavera austral". A palavra deriva do latim, primo vere, que significa "primeiro verão". 

Após esta florida pitada de alfabetização meteorológica adito votos de florida primavera àqueles que vivem no Hemisfério Sul e um saboroso no Hemisfério Norte. Astronomicamente — pomposo este advérbio — a primavera / o outono iniciam na madrugada do próximo sábado. A natureza sabe ser indisciplinada. No Hemisfério Sul, nas geografias daqui, a primavera começou mais cedo. A parreira, podada há semana se faz viçosa. Tenho um amigo que se refere a meus jardins suspensos, aos jardins de Aticodonodor, inspirado em Nabucodonosor, (1125–1104 a.C.), o que me desagrada é ser lembrado a um dos maiores reis-guerreiros da Babilônia

Tenho aqui no 8º piso araçazeiro, amoreira, pitangueira, jabuticabeira, butiazeiro, três palmeiras e esguios cactos.  Uma araucária morreu na sequia do ano passado. A mais recente aqui é uma oliveira

Mas jardim evoca flores e essa blogada,  que também é lutuosa, se faz com um registro imagético de alguns detalhes da Morada dos Afagos. Como, de maneira constante o André me recorda: Uma imagem vale mais mil palavras! Estas imagens querem marcar, aqui e agora, a minha solitude na Morada dos Afagos.

sexta-feira, 15 de setembro de 2023

ACERCA DE LEITURAS E ESCRITAS

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15/09/2023 Educação é a Nossa Praia. Nesta segunda-feira, 11/09, estive virtualmente em Caiobá, em atividade da UFPR que promove a educação superior no litoral do Paraná visando o desenvolvimento humano. Instalada em Caiobá, no município de Matinhos, ações da UFPR chegam aos sete municípios litorâneos e se estendem ao Vale do Ribeira. Liderados pelos Professores Valentim da Silva e Valdo Calvallet falei para professores de Ciências. Foi bom retornar a atividades com colegas aonde já me envolvera há uns tempos. Mais uma vez, a encíclica Laudato Si' do papa Francisco do planeta terra enquanto nossa casa comum.

Esta é a última semana do inverno, e este foi completamente atípico, pois nem terminávamos de limpar as casas e procurar corpos vítimas das tempestades, a presença quase que contínua de furacões é uma realidade inédita no sul do país. 

Assim como a pandemia também anestesiou/anestesia nosso pensar em tempos lutuosos e/ou insanos nos quais convivemos, tanto alunos como professores; não raro, somos intelectualmente incapazes. 

Muitos de nós, nestas semanas, vivemos em uma quase esterilidade mental. É quase vedado produzir um parágrafo de um texto acadêmico submetido ao aguilhão do luto. 

Essa é a razão pela qual optei trazer hoje fragmentos de textos já publicados neste blogue. Dispenso de pedir aceitação dos leitores pois não considero que esteja praticando “autoplagio”. 

Vez ou outra, recebo pedidos acerca de escrever, redigi algo que poderia trazer um mote: “Escrever é preciso! ... e é gostoso!” Aqui estão algumas linhas nesta direção. É mais uma tentativa de resposta a alguns pedidos. Adito votos de um fim-de-semana a cada uma e cada um de meus leitores e aos escrevinhadores.

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É usual dividirmos escritos (e leituras) em ficção e não ficção. Nestas estão os textos acadêmicos, os técnicos, os religiosos, os de autoajuda, os registros de trabalhos, os diários e outros mais. Há um ferrete nos mesmos: parecem que devem apresentar ‘verdades’. Na outra divisão – ficção – estão aqueles que têm como marca o significado do rótulo: ato ou efeito de fingir. Assim estes textos – descompromissados de relatar verdades – são construções, voluntárias ou involuntárias, resultados da imaginação; logo criação imaginária ou fantasiosa, até fantástica; quiméricos.

Sei, mas isto não é objeto deste ensaio, que muitos textos de ficção são marcados pela trazida de realidade. Aqui caberia também uma discussão, da qual também me abstenho: o que é realidade. Até porque, quando escrevemos ficção, não raro devemos nos policiar para não traçarmos biografias de personagens conhecidas ou até precaver-nos que não aflore nossa autobiografia. Nesse caso damos asas a nossa imaginação, sendo que muitas vezes o id disputa com o ego a autoria de nossos textos onde nos fazemos, não raro, em super-heróis.

Entre as obras de ficção também cabem os muito apreciados romances históricos, onde viajamos a tempos ou lugares tendo com cicerone a imaginação de um escritor. Este talvez seja meu gênero ficcional preferidos.

Não sei em qual das duas categorias coloco os livros psicografados. Ler obras dessa natureza de personagens históricos é, mesmo para quem não professa o espiritismo, usualmente enriquecedor.

É nesta divisão: ficção e não ficção que aparecem as listas dos mais vendidos, as bibliotecas pessoais e, especialmente, nossas definições de leituras. Estas parecem que estão associadas, respectivamente, a duas palavras: lazer e trabalho. A primeira, parecem ligadas a algo que fizemos quando, prazerosamente, nos permitimos a fugir a nossos deveres. Outra é comandada pelo feitor que nos cobra produção.

Quando insisto com meus orientandos que devem ler ficção, usualmente há surpresas. Ou mais, parece que os incito a uma transgressão. Mesmo como intelectuais que temos compromissos com nossa formação mais ampla, deleitar-nos com romance parece fazer assomar culpas, pois estamos ‘matando o horário que poderíamos estar trabalhando’.

Tento neste texto olhar essa divisão ficção e não ficção em outra dimensão. A escrita / leitura solidária e solitária. É muito usual que um texto acadêmico seja escrito em parceria com outros colegas. Não é raro temos textos com uma litania de participantes, que quase duvidamos de tão ampla coautoria. Já um texto de ficção, usualmente é solitário.

Eu não sou dado ao escrever acadêmico em parceria. Tenho poucos textos em coautoria, estes usualmente com orientandos ou ex-orientandos. São realmente textos a dois. Não considero um texto em coautoria aqueles que são contribuições individuais em capítulos de livro. Minha reduzida experiência como organizador de dois livros me mostrou que mesmo que se insistisse na exigência de um fio condutor nos capítulos de cada um dos autores, usualmente se originam textos muito individuais.

Há que reconhecer que os textos acadêmicos não são de uma maneira geral solitários. 

Não é sem razão, que apensamos ao final uma bibliografia e no Alfabetização científica: questões e desafios para a Educação coloquei essa abertura (que retirei de minha tese de doutorado) antes de citar as obras consultadas. Encanta-me o continuado diálogo — às vezes um imperceptível sussurro — que ouço em cada um dos livros que manuseei para fazer este livro. Minha gratidão aos homens e mulheres de quem me apossei das ideias. Realmente, é muito difícil existir um texto acadêmico que não tenha pareceria, mesmo que não consultemos nenhum autor para escrever o texto. Não é sem razão, que o livro antes citado, tem os direitos autorais das cinco edições doados ao Departamento de Educação do MST, pois muitos capítulos são resultados de meu aprendizado na formação de professoras e professores para acampamentos e assentamentos.

Mesmo que ainda volte no encerramento a escrita dita solitária, quero comentar algo da leitura. Parece a esta cabe o mesmo paralelismo que fiz a escrita.

A leitura de não ficção é mais apropriada para uma leitura solidária, enquanto a ficção é mais dada a ser solitária. No primeiro caso estão os seminários acadêmicos onde todos leem – individualmente ou em grupo – um texto e depois se debate as ideias do autor. Há grupos literários que fazem isto com obras de ficção. Mesmo que menos usual, se pode prever que aí as discussões possam não ser tão críticas como, por exemplo, em um texto acadêmico.

Pode haver leituras em parcerias de cada uma das duas categorias que abrem este texto. Ler jornal a dois é muito bom. Não classifiquei os textos jornalísticos, mas eles parecem ser – ou deveriam ser –, de não ficção; até porque alguns jornais alardeiam o compromisso com a verdade.

Numa noite de sábado de inverno ‘ler hoje, jornais de amanhã, com notícias de ontem’ numa lareira com um bom vinho e um parceiro para comentar é algo quase paradisíaco. O mesmo vale para uma manhã de domingo chimarrear com uma pessoa querida num jardim lendo suplementos literários ou revistas semanais de variedades.

A leitura de ficção a dois também pode ser algo gostoso, não para um extenso romance, mas para um pequeno conto. Não sem razão, que na distribuição de livros pela casa, na alcova há geralmente selecionada biblioteca de livros e revistas eróticos. Estes usualmente de ficção. Neste gênero os dito não ficção são imaginado como ficção, pois quase não se crê em tudo que parece fantasiar o autor. Claro que obras da biblioteca da alcova são sempre mais apetecíveis a dois.

Encerro este texto com o que o catalisou. Parece que escrever ficção é um ato muito solitário. Dificilmente o fazemos em parceria. Usualmente não fazemos citações. Os dicionários são bons coadjuvantes.

Neste escrever ocorre algo muito especial. Não escrevemos apenas quando teclamos ou fizemos um apontamento em meio a outros fazeres. Quando nos embrenhamos em um texto ficcional, nossos personagens nos envolvem tanto, que vivemos viajando ao cenário de nossa história. Chegamos ser deselegante com outros, pois não conseguimos deixar de pensar no diálogo seguinte, na nova trama e no futuro desenlace. As horas insones se fazem férteis, mas o diálogo com um parceiro pode ficar sincopado.

Assim, é fácil entender porque, às vezes o outro não esteja a fim de papo. É muito bom viajar na ficção.


quinta-feira, 7 de setembro de 2023

uma Alfabetização Científica como um direito humano

 

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08/09/2023 Nem parece: já estamos no segundo blogar deste setembro! Sim! Há uma semana preludiávamos: Quero luz depois de tanta água / Quem sabe um dia / Quando setembro chegar”. E setembro  chegou trazendo ao invés de Esperança, desespero! Desespero que levaram a óbitos (como se narra, por ora). Em verdade desesperos se fizeram mortes. Parece quase inédito, mas a cada mês passou a nos visitar um furacão assassino. 

Ovelha fica pendurada em fiação elétrica após ciclone em Muçum RS

Não vou fazer relatos. Uma foto faz narrativas que superam os relatos diluvianos contados no Gênesis, há milênios. Também não vou alterar -- como na semana pretérita --  a terceira edição de nossa Tríade em que examinamos, uma divisão dos humanos em três estratos.  Optemos, diferentemente da aula anterior, ante imposição camoniana: [1) NATIVOS DIGITAIS /2) MIGRANTES DIGITAIS / 3) ALIENÍGENAS DIGITAIS 3.1 NEGACIONISTAS: Se negam aprender: 3.2) DESAFORTUNADOS: Não têm condições econômicas. Permito-me, uma vez mais, recordar a pergunta capital: para uma pessoa pouco letrada, o que é mais útil ser alfabetizado no seu idioma materno ou ser um migrante digital?

Eis um pedido para ajudarmos em uma resposta desejadamente colaborativa. A tentativa não parece fácil: Não é uma escolha fácil. O alerta continuado que o Papa Francisco faz na Laudato Si’ não raro parece esquecido quando o Planeta Terra -- nossa casa comum -- se vê transformado em um cassino digital. E o ainda mais grave: Este mega cassino já se faz, cada vez mais, marcadamente envolvido em corrupção.

Posfácio: uma tese (quase) indefensável 

É pesado dar um fim a este texto. Um leitor atento, vez ou outra, teve/tem dificuldades com a minha redação ora no passado/ora no futuro. A pandemia terminou? Ou nós — com saudades de um passado que tintamos de rosa — terminamos com a pandemia? 

Não é fácil ver no nosso cotidiano uma extensa maioria daqueles que não ‘usam’ recursos do mundo digital, serem, cada vez mais, marginalizados no hodierno. Há os incapazes de usar os mais comuns meios de transportes urbanos, pois não conseguem operar um aplicativo. Sem este ícone do mundo digital não se lê jornal, não se ouve música, não se agenda uma consulta médica, não se busca um taxi. 

Nestes tempos pandêmicos, os alienígenas digitais foram/são cada vez mais excluídos, também pela inabilidade, por exemplo, no ensino remoto. É importante mencionar que no mundo da Educação a exclusão ocorre também, de maneira significativa, pela impossibilidade de acesso a hardwares necessários para acessar as ‘benesses’ do mundo digital. Vale registrar que dentre os diferentes hardware nenhum é de uso tão exclusivo quanto o smartphone. A propósito, só uma pergunta: tu já emprestaste o teu smartphone para alguém? Provavelmente, não. Ele serve (quase) só para mim. Só esta resposta enfática se analisada trás uma significativa marca de exclusão.

Hoje, há que lutarmos para ensejar a migração dos alienígenas digitais para fazê-los migrantes digitais. Assim, como ninguém discorda que se faça campanhas de alfabetização na língua materna temos que acolher, como uma questão moral, os alienígenas e fazê-los imigrante digitais. Quando alguém imigra para um país que tem um idioma diferente, o que busca aprender por primeiro? Hoje vivemos num Brasil onde a linguagem digital é hegemônica e faz exclusões.

A cada dia chegam centenas de migrantes a nosso convívio que ainda são analfabetos digitais. Há que alfabetizá-los. Há que fazê-los migrantes para o mundo digital (como nós, a maioria dos leitores deste texto). Há que ensejar a muitos as benesses ofertadas por esse (quase mágico e) fantástico mundo digital.

Há não muito, de maneira usual, dividíamos os humanos em analfabetos e alfabetizados. Estes, enquanto alfabetizados na língua materna, eram — de maneira usual — qualificados como capazes de saber interpretar (ou ser capazes de redigir) um bilhete ou ser um leitor de um livro. Hoje o que significa ser alfabetizado digitalmente?

A Educação é apenas um dos mentefatos culturais que é um direito universal. Pode-se mostrar o mesmo com o direito à Saúde ou ao trabalho digno ou alimentação de qualidade. É fácil nos encantar com as maravilhas do home office, que oportuniza aos abonados morar em suas mansões de veraneio 12 meses por ano. Até podemos sonhar com melhores benesses para todos. Mas há algo factível e trago como encerramento. Antecipo que não estou delirando. Neste tempo de novilíngua, parece ser mais importante ser um alfabetizado digital do que ser alfabetizado em língua materna. Isso deveria ser uma cláusula pétrea. Talvez, de maneira muito próxima, tenhamos além do vale-gás ou uma cesta básica: vale smartphone. Talvez, familiar no início. 

É tempo de novilíngua. Saber lê-la é preciso para entender o mundo natural. Assim, mulheres e homens (inclusive os mais anosos) serão cidadãs e cidadãos mais críticos. Vale experimentar.  Asseste assemblages e frua o mundo também com a linguagem em um mundo digital. 

Assim, como ninguém discorda que se faça campanhas de alfabetização na língua materna, temos que acolher, como uma questão moral, os alienígenas e fazê-los migrantes digitais. Além do usual letramento no idioma de berço (= língua falada pelos pais), temos diferentes alfabetizações: alfabetização matemática, alfabetização geográfica, alfabetização geológica, alfabetização digital, alfabetização musical, alfabetização astronômica, alfabetização astrológica, uma alfabetização geológica, uma alfabetização ecológica ou ainda, alfabetização em idioma(s) estrangeiro(s) etc. A alfabetização científica passa a se constituir como uma assemblage: múltiplas alfabetizações. Quando alguém imigra para um país que tem um idioma diferente, o que busca aprender por primeiro?

HÁ UMA DENTRE ESTAS ALFABETIZAÇÕES 

QUE É PRÉ-REQUISITO ÀS DEMAIS

Qual?

Uma alfabetização digital… 

Assim ensejamos uma Alfabetização Científica como um direito humano para formarmos cidadãs e cidadãos envolvidos na construção de um pensamento crítico. Este pensamento crítico se adensa à medida que nos envolvemos com múltiplas alfabetizações ajudados pelo Professor Google, pelo Padre Google, pelo Pastor Google, pelo Químico Google,  pelo Advogado Google,  pelo Astrônomo Google,  pelo Astrólogo Google,  pelo Biólogo Google,  pelo Cardiologista Google, pelo Enólogo Google, pela Bispa Google… e outros dezenas mais. Cada um dos múltiplos conhecimentos que amealhamos nos torna sujeitos mais indisciplinares. As tuas e as minhas alfabetizações científicas são (quase) ilimitadas. Vamos nos fazermos quase polímatas pois os saberes são ilimitados.